segunda-feira, 17 de setembro de 2007

HUMANITÁRIO...

Nos posts anteriores tenho vindo a falar de alguns episódios engraçados que experienciei na concretização deste meu sonho. Muitos mais ficam ainda por contar...
O facto de as caixas cheias de medicamentos terem estado à chuva no aeroporto de Lisboa (não sei como, uma vez que diziam frágil e importantes!) e depois ao chegar a Cabo Verde estas estarem meias desfeitas uma vez que eram de cartão; ou, o facto de o meu meio de transporte pela ilha ser o pedestre, uma mota (frequentemente com falhas e outras anomalias mecânicas) ou a parte de trás de carrinhas de caixa-aberta Toyota Hiace (que lá se pronuncia como se escreve!); ou o campo de futebol no meio da estrada; entre outras coisas…


No entanto, hoje, 24 horas após ter tido a honra de participar na conferência do Chefe de Estado do Tibete Dalai Lama, gostaria de vos falar de outro aspecto muito importante e que ele referiu: não existe o nosso planeta e o planeta dos outros, não existe o nosso mundo e o mundo dos outros… estamos todos unidos! E a dignidade e a liberdade do “eu” e do “tu” só é possível no “nós” humanidade!


Todos os dias 20 mil vidas sofrem com fome e pobreza,
54,7% da população mundial vive em miséria extrema, ou seja, menos de 1 dólar americano por dia (dados de 2006 do Banco Mundial), mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável, há 115 milhões de crianças que não têm oportunidade de ir à escola, 99% das mortes no decorrer de um parto ocorre em países pobres (in Crespo, Cristina, 2006)…

e nós, aqui, sem consciência da enorme sorte que temos e, muitas vezes, sem a abertura ao mundo, sem interesse por nós mesmos e pelo outro, pelos outros…


Ser humano é natural, mas ser humanitário não é natural, isso trabalha-se, deseja-se e faz nascer e crescer em nós, parte de uma intenção consciente (adaptado de Albert Jaquard, sd).


O humanitário implica esse sentimento positivo, uma dedicação a cada ser humano… começando por nós mesmos, no que nos rodeia, com uma visão que vai para além do meu mundo, do meu jardim, do meu amigo, do meu vizinho, do meu curso, do meu trabalho…

com uma visão do nosso planeta, das nossas reservas de água potável, da nossa camada de ozono, dos nossos iguais no nosso país, dos nossos iguais em outros países…


Estes pensamentos parecem saídos do discurso do Mister Al Gore, peço desculpa se se sentirem traídos… “Ela disse que ia aqui falar da sua integração numa missão humanitária e agora põe-se para aqui com isto!...”
Podem crer que não o planeei :) e que o post que descreve o meu dia-a-dia por Cabo Verde para que possam ver as coisas transdisciplinares, multisectoriais, que se realizam numa missão humanitária já está pronto para aqui publicar. No entanto, sem esta noção de humanitarismo… acredito eu que, cada acto, cada passo, cada momento parecerá vazio, oco e desprovido de qualquer real importância e cabimento.

Fica assim então este pensamento… com ele no coração, em breve, poderão absorver o post seguinte.

Obrigado por lerem estas palavras e por pensarem sobre isto.

NÃO SE ESQUEÇAM, NÓS SOMOS VERDADEIROS FELIZARDOS…

domingo, 9 de setembro de 2007

BU PAPIA CRIOULO?


A comunicação interpessoal é a base de cada sociedade, e um dos métodos utilizado na mesma é a língua… A língua de um povo influencia e é influenciada pelas crenças, história e histórias que lhes pertencem, por cada pormenor que define cada um dos seus membros vivos, mortos e ainda por nascer…
Em Portugal já eu tinha ouvido falar em crioulo – Cesária Évora, Tito Paris, Sara Tavares, etc. Mas estar ali… relacionar-me com os outros e com o próprio ambiente em crioulo!! Xiii, “foi obra”!

Tudo dreto?” –
foi a primeira frase que aprendi, e já estava no terreno. Como aprendiz apaixonada de outras línguas que não a materna estava habituada a ter uma gramática, um prontuário ortográfico, livros básicos de referência… Bem perguntei por tudo isso. A resposta era invariavelmente:
Crioulo é língua di bôca, ká di livro!

Então iniciei o meu processo de observação. Durante a primeira semana canalizava todos os meus neurónios na absorção da cadência do som, do trejeito das sílabas, das palavras chave… e, aproveitei os meus dois professores que voluntariamente aproveitaram o meu primeiro fim-de-semana em Cabo Verde para se rirem às gargalhadas da minha pessoa entre tentativas de aprendizagem.

À segunda semana já eu me aventurava. Muito se ria o Ricardo – deixava-me com os utentes enquanto organizava “coisas” no canto da sala! De costas, outras vezes, mesmo virado para mim, engolia o som das risadas valentes, enquanto eu me atropelava palavra após palavra…

Os utentes olhavam-me estupefactos! Não fossem as maleitas que os tinham levado até mim e rir-se-iam também. Ao caminharem até ao Posto de Saúde estavam longe de imaginar que uma “branquela” lhes iria falar numa mistura de espanhol com brasileiro e ainda esperar que eles a compreendessem! :)


Entretanto, a minha colega Susana teve um acidente de mota, de que noutro momento vos falarei, e eu na terceira semana fiquei sem ela, sem o Ricardo que teve de vir a Portugal trazê-la e o chefe de missão, Paulo, ficou em casa de convalescença.


Assim, durante a 3ª semana passei a ser oficialmente uma dominadora de crioulo! Que remédio :)
Fiquei ali, sozinha, a ter de ir pagar a factura da água, da luz, do telefone, ir entregar papeladas ao Hospital, efectuar sozinha sessões de educação para a saúde – sobre Sexualidade, a várias turmas (de 40 alunos!) do 7º, 8º e 9º ano (adolescentes!)…




Aprendizagem de crioulo sob pressão! O facto é que quando o Ricardo regressou de Portugal ficou surpreso. “Oh, minina, bô papiá crioulo!” :)

Eh, eh… a partir daí ninguém mais me calava! Eu que até sou muito “caladinha”… Eh eh… Um gosta tcheu di papiá crioulo!

terça-feira, 4 de setembro de 2007

MÚSICA E DANÇA

Cada nota, cada pausa, carrega em si a brisa que alguém já inspirou…
São vidas passadas, vidas presentes e futuras a culminar num sopro de som…

A música Cabo-verdiana tem esse sabor a alma, tem esse cheiro a movimento, tem essa cor a sentimento…

Aqui para vós, um vídeo de uma (das muitas) minhas músicas favoritas que lá encontrei e que acompanham sempre o meu coração com o dom do enamoramento…



Procurem entretanto em www.lenatimas.calabashmusic.com - Magia d'morna e no YOUTUBE - Paulinha abraço ao vento. São muito bonitas e óptimas para dançar...

BREVE DICIONÁRIO DAS MÚSICAS TRADICIONAIS CABO-VERDIANAS:

O Funaná, antigamente era chamado de 'badjo di gaita' e dança-se como o Samba era dançado antigamente no Brasil, aos pares com movimentos dos quadris cadenciados, sensuais e vivos.

A Coladeira, tem um andamento mais moderado que o Funaná, e varia no ritmo, de acordo com influências sofridas, sobretudo das músicas latino-americanas e brasileiras e mais recentemente o Zouk, este último muito apreciado pelos jovens nas discotecas.

A Morna é a forma musical cultivada em todas as ilhas de Cabo Verde. De andamento lento, esta música, é a que mais caracteriza o povo caboverdeano. Por muito que as pessoas temam pela sua desvirtualização, ela já sofreu influências várias no passado e poderá vir a sofrer ainda outras, mas permanecerá sempre como a morna caboverdeana.
Este género musical tem por espinha dorsal a "Sodade" — Saudade, reflectindo a realidade insular do povo de Cabo Verde, o romantismo intoxicante dos seus trovadores e o amor a terra (ter que partir e querer ficar).

Adaptado de www.wikipedia.org – danças tradicionais e de www.attambur.com – Margarida Brito – Músicas do Mundo

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

A BANHOCA E A BICHARADA ( PARTE 2 )

Outros temas sobre os quais me questionam amiúde são a banhoca e a bicharada… Engraçado estarem os dois no mesmo conjunto de perguntas porque de certa maneira ambos são de arrepiar…

A banhoca… de água gelada claro! Uma vez estava eu sentada a almoçar, em casa, às 17 horas!, com vista para o mar e para a casa dos vizinhos, quando compreendi a utilidade de terem garrafões cheios de água ao longo das paredes das casas durante o dia! O vizinho foi para a varanda tomar uma banhoca despejando-os sobre si mesmo… Hum… que vontade tive de lhe pedir um garrafãozinho para mim!
Lá para a 4ª semana eu já conseguia relaxar e saborear o duche… até me comprometi que quando chegasse a Portugal manteria a temperatura da água mais para o fria no Inverno e no Verão nem abriria a torneira da água quente… Esta decisão durou 30 segundos do primeiro banho que tomei ao regressar ;) eh eh… A carne é fraca! Comecei por: só um pouco para recordar! Já volto a fechá-la… eh eh!

Por lá, mesmo naqueles dias de “cão” em que uma banheira com água quente soa ao paraíso, por mais que pensasse e pedisse e chorasse… o que me esperava ao chegar a casa era… água fresquinha fresquinha! E, acreditem, era uma sorte! Porque às vezes há cortes de água que podem durar dias e dias a fio…


Na casa AMI tínhamos um bidão enorme, 50 litros, com água (com lixívia obviamente, como mencionei no post anterior!), que íamos mudando de 15 em 15 dias (se a minha memória não me falha!) e ao qual recorríamos nessas alturas… Restava continuar a ter cuidados preciosos com cada gotinha daquele líquido dos deuses e tomar banhoca com o fervedor do leite (esqueci-me de referir no post da paparoca que o leite era em pó… Nunca tinha provado!! Doce, doce… não gostei nada… mas que remédio! Bebia-o todos os dias!)…

Em relação à bicharada… Tentei sempre manter-me à distância… mas eles nem por isso!


(Mosteiros, parte norte da ilha do Fogo, depois de vários quilómetros (nos bocados de algo que nasceu um jipe e que alugáramos) repousávamos nós na esplanada da pensão à espera do jantar, quando…)


- Então Miguel, demoraste-te no quarto!!
- É que estava lá uma aranha enorme no tecto… (calmamente, respondeu ele!)
- E tiraste-a? (retorqui eu em semi-descrença)
- Não… Mas tenho aqui fotografias dela!

Pois é… roguei-lhe que fosse ao quarto tirá-la. Ele foi mas quando voltou deu uma notícia pouco animadora. Ela já lá não estava. Depois do jantar, ao ir dormir, andámos eu, ele e Sue a vasculhar cada recanto do quarto, os lençóis, as mochilas, tudo… Nada.
Sim, os sonhos foram terríveis :)


Outra vez, estava eu a jantar descansadamente ,num restaurantezinho super querido de uma senhora holandesa que viera para a ilha há algumas décadas atrás com uma quantidade de gatos enorme, quando, de repente, senti uma picadelazinha insignificante nas costas… em poucos segundos a sensação mudou para um ardor inacreditável! Parecia que me esfregavam urtigas - a cada movimento ventilatório…
Jantar interrompido… Fomos direitos a casa e acabei por dormir em cima dos tijolos que nos serviam de sofá, com pomada e luvas cheias de gelo sobre as costas, que os senhores enfermeiros tiveram a amabilidade de me colocar em cima… Aliviou, mas durante 3 dias andei com um desconforto medonho!

Quem foi o meu amiguinho? Um bichinho de 2 milímetros que faz uma espécie de urina que contem uma substância ácida ultra-irritante… com tão poucos que existem, em tão poucos sítios do planeta… e foi logo enamorar-se pelas minhas costas! Eh eh… era porque o jantar certamente não me iria fazer bem e eu tinha de ir para casa sem comer… Eh eh…

Perto disto, adormecer com baratas a passar por debaixo da cama, melgas do tamanho de helicópteros a sobrevoar toda a casa e gafanhotos voadores pendurados na roupa, até nem é nada de mais, pois não? ! :)