quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O MENINO SEM NOME OU NÔMINHO…

Por onde andei, descobri que uma coisa é o nome da pessoa - o que consta na sua certidão - e que outra coisa é o “nôminho” – o nome que todos nos chamam e com o qual cada um se identifica.
Por exemplo, o motorista de um dos transfers que tivemos de efectuar já em Cabo Verde, chamava-se Lúlú, o seu nome era Luz – havia nascido no dia da Nossa Senhora de Luz. A pessoa fantástica que nos ajudava nas limpezas da casa AMI mas que era mais uma amiga que uma funcionária (irei falar nela mais pormenorizadamente noutro post), chamava-se Agostinha – pois havia nascido em Agosto -, mas o seu nome, descobri quase um mês depois de a conhecer, era Josefina.


Em que medida este pormenor cultural afectava o nosso trabalho? Em situações de rastreios, consultas e afins, em que, por questões logísticas, necessitávamos de saber o nome das pessoas, muitas, principalmente as crianças, ainda que na escola, não o sabiam… e ficava tudo atrapalhado!


No entanto, neste post, gostava de vos falar de um menino sem nome ou nôminho…
Na minha imaginação ele chamar-se-ia Diogo (o belo) ou Francisco (o de condição livre)… Na realidade não faço a menor ideia nem consegui saber!
Conheci esta criança-homem, este ser sem substantivo próprio, numa das Unidades Locais de Saúde. Ele simplesmente navegava por ali, calmo e sereno, como um imperador, do alto da sua sapiência e omnipresença. Quando nos cruzamos, começou a observar cada movimento meu… primeiro ao longe, depois bem próximo de mim.
Um olhar intrigante, misterioso… como se fossemos de mundos diferentes! (Seríamos?) Terráqueo e marciano, primeiro encontro!
Tentei dialogar com ele mas a sua linguagem era-me incompreensível – um emaranhado de monossílabos.
Pareceu gostar da minha máquina fotográfica e quando lhe pedi, não só me autorizou a fotografá-lo, como pousou para mim de todos os ângulos e com todas as máscaras que o compõem.


Entretanto, o Ricardo (o meu Enf.º Orientador), contou-me um pouco da história deste menino-sem-nome-ou-nôminho. Na sua ficha clínica constava “problemas mentais não identificáveis”. Vivia com a avô, que, com o melhor que sabia/ podia, o mantinha encerrado numa pequena barraca de madeira, de um metro quadrado, sem janelas ou cor. Uma vez por dia era “solto” para que fosse dar uma volta.


Dia 16 de Novembro é o Dia Internacional para a Tolerância. Como qualquer dia Mundial, Internacional, Nacional, na minha opinião, existe em prol de minoria ou “algos” a melhorar. E aqui está – a necessidade de relembrar este sentimento e postura… Este menino, naquele contexto sócio-cultural, é diferente na sua unicidade enquanto ser humano e na sua doença. E se a Tolerância face à diferença é um dos “algos” que as sociedades, um pouco por todo o mundo, têm de cuidar; a falta de informação cava ainda mais fundo o abismo dessa mesma diferença.



Seja como for, ele mexeu comigo… O seu gosto, a sua curiosidade, o brilho no olhar, o seu vigor sereno. O seu aqui-e-agora-para-ti-comigo…
Em cada momento presente há um infinito de possibilidades em potencial, prontas a se revelar, caso nos dediquemos a isso…
Seres como a minha mãe, a Natasha e a Nocas afluíram a minha mente! Sempre que chego a casa, tenha-me ausentado 30 minutos ou 4 semanas, a maneira como me felicitam ao abrir da porta tem essa espontaneidade e felicidade – cada vez é uma primeira vez!
Com ele tomei consciência de uma grande lição – uma espécie de mandamento! Posso estar cansada, posso estar aflitinha para chegar à casa-de-banho, posso estar carregada de sacos das compras… mas não passei jamais novamente do hall de entrada sem agradecer com uma festa, um abraço, um olá, àquelas “tolitas” que me transformam numa grande sortuda acarinhando-me sempre com a alegria genuína de reencontrar quem gostam!

sábado, 6 de outubro de 2007

TURISMO HUMANITÁRIO ?!

“ Na "Cimeira do Milénio" da ONU, que teve lugar em Setembro de 2000, os países membros assinaram, em conjunto, uma declaração, a Declaração do Milénio, que fixou 8 objectivos de desenvolvimento específicos, a serem atingidos até 2015. Estes objectivos, chamados os "Objectivos de Desenvolvimento do Milénio" (ODM), podem ser resumidos da seguinte forma:

1 Reduzir para metade a pobreza extrema e a fome;
2 Alcançar o ensino primário universal;
3 Promover a igualdade entre os sexos;
4 Reduzir em dois terços a mortalidade infantil;
5 Reduzir em três quartos a taxa de mortalidade materna;
6 Combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças graves;
7 Garantir a sustentabilidade ambiental; e,
8 Criar uma parceria mundial para o desenvolvimento.“ (http://www.oikos.pt/)


Entretanto muitas ONG (Organizações Não-Governamentais) adoptaram estes objectivos para si, tornando-os como os seus próprios objectivos. No entanto, estando nós já a meio caminho do prazo 2000-2015, e apesar de o número de ONG que existem e que se encontram em actividade um pouco por todo o mundo, ter aumentado para mais do dobro, os objectivos estão muito aquém de serem alcançados. Pelo contrário, há áreas em que os dados mostram regressões.
Este facto levou a que fosse levantada a questão do TURISMO HUMANITÁRIO!!!
Quantas organizações andam a passear sob a capa do humanitarismo?
Não sei responder… mas já houveram organizações que me levantaram dúvidas! A ti não?

Para quem, por esta altura, dado o cariz mais informal dos posts anteriores, possa já pensar que eu fiz Turismo Humanitário em vez de uma Missão Humanitária, posso garantir aqui que o trabalho desenvolvido pela Fundação AMI na Ilha do Fogo, tem obtido resultados concretos e imprescindíveis para o desenvolvimento da população. Há acções mais precisas e ponderadas, outras a melhorar, mas de um modo geral, a minha opinião é que têm desenvolvido um bom trabalho!


De um modo muito geral, irei descrever algumas das tarefas que fui realizando durante a minha estadia por Cabo Verde :)


Por norma o dia começava às 7 horas da manhã, depois, consoante o dia da semana, ia prestar cuidados primários de saúde para um Posto de Sanitário ou Unidades de Saúde:
- consultas de enfermagem (onde para além das competências de enfermagem ao nível de diagnóstico, monitorização de vários elementos e ensino, ainda efectuava intervenções médicas, como prescrição de terapêutica medicamentosa – o Prontuário Terapêutico foi durante muitas noites a minha leitura de cabeceira!); e,
- curativos (pensos, injectáveis, etc.).






Depois, por volta das 15horas regressava à cidade de São Filipe para realizar formação a profissionais de saúde, nomeadamente serventes do Hospital, ou então dirigia-me a alguma escola ou jardim-de-infância para a realização de acções de educação para a saúde - umas vezes a pais, outras a crianças, outras a ambos ao mesmo tempo. As temáticas andaram à volta dos temas mais importantes naquele contexto: sexualidade, planeamento familiar, saúde materna, cuidados de higiene, cuidados à água, saúde infantil e cuidados a doentes hospitalizados.


Outros dias havia em que passava o dia inteiro de instituição escolar em instituição escolar a efectuar rastreios às crianças, ao nível dentário, nutricional, dermatológico, gastrointestinal, etc.
Onde os dados eram um tanto ou quando desanimadores para mim.
Lembro-me que logo no primeiro jardim-de-infância estava eu a brincar com uma das muitas crianças que alegremente me rodeavam quando o chefe de missão me perguntou:
Tem sarna?
Hum?!
Pois, eu já estava com a mão mesmo em cima de uma manchinha redondinha de escabiose. Passei logo a estar mais atenta.
Para além destas acções directas com a comunidade, havia a elaboração de relatórios dos dados levantados, relatórios diários de actividade a enviar à AMI e pensar/ estruturar/ elaborar os materiais a utilizar na prestação de cuidados (desde os cartazes, folhetos, jogos, fantoches, ao corte/ dobragem de compressas e “esterilização” de ferros – escovar com sabão azul e uma escova de dentes, deixar repousar em água com lixívia e ferver 30 minutos em água no camping gás!).



As tarefas de limpeza da casa, compra de alimentos (a pé com as mochilas!), lavagem das roupas (à mão!) e outros aspectos do dia-a-dia eram partilhados entre todos e auxiliados pela maravilhosa Agostinha – uma mulher fantástica que acarinha todos os que conhece não deixando adivinhar a história de vida que tem e que por razões óbvias não irei expor aqui!


Mesmo assim havia dias em que dava para ir uma horinha à praia ou jantar fora ou então ficar simplesmente na soalheira da casa de papo para o ar a jogar conversa fora com os amigos que se ia criando.


Boa vida, não?!!! Eh eh...


PS: A esterilização!


Porque a esterilização me pareceu a mim uma das práticas mais impensáveis que efectuei… Merece umas fotos dedicadas só mesmo a ela!!

Aqui estão elas: