quinta-feira, 30 de agosto de 2007

FUNNY DAILY LIFE EPISODES (PARTE 1)

No último post comprometi-me a pormenorizar os desafios, os desequilíbrios que me ajudaram a crescer enquanto pessoa e enquanto profissional neste contexto.
Alguns são mais cinematográficos que outros, mas chamemos todos de funny daily life episodes – Episódios Engraçados de Coisas do Dia-a-dia.

Parte 1 – O clima e a culinária!

Começando pelo primeiro, reparem com atenção nas fotografias que se seguem.
Com uma diferença de 5 horas e 5.000 quilómetros, as 4 camisolas que eu vestia ao sair de Lisboa, foram sendo arrancadas gradualmente, num espaço de tempo de 1 minuto desde a aterragem na Cidade da Praia…
Estavam cerca de 20 graus centigrados a mais e uma diminuição de quase 50% do índice de humidade atmosférica.
Senti-me como um peixinho na água, ou melhor, como lagarto ou Natasha ao sol! Hum… calorzinho bom!


















Em relação à culinária, se eu seguisse uma dieta mediterrânica, possivelmente, o impacto teria sido menor. A transição teria sido mais natural.
No entanto, quando fui para África há mais de um ano e meio que não comia carne (ainda hoje assim me mantenho!) e há quase um ano que não comia peixe... É óbvio que assim que comecei a cuidar das papeladas com a Fundação AMI que iniciei em simultâneo um processo de mentalização: teria de ingerir peixe numa refeição diária senão a probabilidade de adoecer seria grande (digamos que se até em Beja tenho alguma dificuldade em encontrar tofú, para aquelas paragens haver legumes à refeição já é uma grande sorte! Tomate e alface ainda se encontrava facilmente no mercado, pedir muito mais do que isso era não ter noção das particularidades da agricultura e alcance da importação!)
Durante a missão vivi na casa da AMI em São Filipe onde podia confeccionar comida! Mas, na escala aérea na Ilha de Santiago, tive de aí permanecer quase dois dias antes de embarcar no avião para a Ilha do Fogo.
Logo, tive de comer “fora”...

Caminhei, caminhei, li ementas, caminhei mais um pouco, até que encontrei, num dos vários botecos da zona central da cidade, um prato que me agradava (e que eu sabia o que era! Pensei...): SOPA!


Fiquei super contente... quem já viveu no estrangeiro entenderá qual a sensação de ver, ouvir, falar sobre algo com que convivemos na nossa terra natal – é um conforto aconchegante!
Pedi que o momento encantado ficasse registado fotograficamente... Cheirava bem... tinha uma cor bonita...
Não comi nada!
- Não?!
Não. Beberiquei somente duas colheres de aguadilha e fiquei saciada... desapareceu toda e qualquer fome! Agora rio-me, ao voltar para a pensão ri-me antes de adormecer. No entanto, no momento em que, com a colher, percorri o idílico manjar e afloraram bocados de carne por trás de cada folhita verde, apeteceu-me chorar!

Ao longo da minha estadia por Cabo Verde, comi coisas maravilhosas...
Como umas mangas deliciosas, pequeninas, super doces, em que um rapaz subiu lá ao cimo da “altarrona” mangueira, à minha frente, apanhou umas manguitas e me ofereceu (simpático e, para além disso, eu estava a passear com o Alveno, uma pessoa muito querida que conheci, cuja profissão é apresentador da televisão nacional e no momento o seu programa Nha Terra, Nha Cretcheu estava no top das audiências!);


como um milho partido, branquinho, feito numa espécie de farinha (a Agostinha ensinou-me a fazer... Mas vocês já sabem... eu e a cozinha temos uma relação atribulada!); como cana-de-açúcar, cortada na hora (é um espectáculo! Primeiro precisei foi de meia hora de ensinos de como sugar aquilo!);


como leite de vaca ainda quentinho da ordenha (sim, não se deve ingerir aquilo! Do que seriam algumas regras sem excepções!?); entre muitas outras...


Por outro lado, ao longo da minha estadia por Cabo Verde, vivi situações muito complexas por causa da comida...
Uma delas ocorreu nos primeiros dias, quando o Ricardo (o senhor meu enfermeiro tutor!!!), me sugeriu que deixasse a garrafa de 1,5 litros de água dentro da mochila. Como europeia que sou, na mesa de trabalho, colocava sempre a minha garrafa (caríssima!) que bebericava entre as consultas. Antes de ele me falar, nem por um instante eu pensara na lógica deste hábito naquele local.


Aquelas pessoas sem dinheiro para comprar água engarrafada; mulheres e pequenas mulherzitas-criança, todos os dias, a acartarem à cabeça água das parcas fontes; a pagarem a outrem para lhes levar água nas câmaras-de-ar de pneus de camiões enormes, acartados pelos burritos; 9 em 10 crianças nos infantários com parasitoses intestinais, também devido à escassez de água potável; eu a fazer ensinos sobre como descontaminar a água com 1 colher de lixívia por um alguidar de água; e... ao mesmo tempo, mostrando a todo o instante o quão afastada estava eu de toda esta realidade...




Ali, imediatamente abandonei este hábito que ainda hoje mantenho (se forem ao meu gabinete no Centro de Saúde lá verão a minha garrafita ao lado do computador!)... A ingestão de água e da sandes feita de manhã, ao pequeno-almoço, contando com o facto de sair às 7 horas da matina e só regressar a casa, em dias leves às 15h30 na maioria dos dias, perto das 17h30, ficou confinada aos instantes em que ninguém se encontrava a ver!

Outras vezes houve em que, com muito carinho e esforço, habitantes locais confeccionaram pratos de festa (onde todas as economias próprias ou enviadas por algum dos parentes emigrado nos Estados Unidos são investidas em carne e mais carne) e eu, não conseguindo de maneira alguma consumir aquilo e ao mesmo tempo, não os podendo ofender com uma recusa directa ou disfarçada, me esgueirava o melhor que podia daquela situação! Como eu estava quase sempre acompanhada pelo enfermeiro, muito me valeu, a rápida troca de pratos em que ele já tinha comido a carne do prato dele :)

6 comentários:

  1. Parece já tão distante, tão primitivo esse tempo...Foi uma experiência inesquecível, digamos que foi o ano zero.Ainda assim, havia já alguns pormenores de que não me lembrava, fico feliz por puder recordá-los aqui. Obrigado.

    Miguel

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  2. era "poder" e não "puder". desculpa lá

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  3. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  4. Dois tópicos tão distintos num só, amiga Mel! Como podes considerar engraçada a dura realidade daquele povo? És uma insensível, desumana quase! :P

    P.S.: Quantas vezes te arrependeste já de me facultares o prazer de visionar e comentar o teu blog? ;)

    Paulito

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  5. pq é que dizes que tu e a cozinha têm uma relação atribulada? tudo o que tu cozinhas eu adoro... qdo vivermos juntas em terras de sua majestade nao podes cozinhar senao sao kg a mais na certa...

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