sábado, 3 de maio de 2008

A CRIAÇÃO DO MUNDO

Olhou as mãos em concha e viu arredondar-se
um sonho dentro delas - um mundo
que ninguém podia adivinhar, pois dele
fariam também parte os magos e os profetas.

Abriu-se devagar e deixou cair as trevas como sementes,
para que então servissem unicamente de sombras
e prolongassem a memória das coisas por vir. Foi assim
que inventou a luz e separou um dia do seguinte.

Depois afastou o céu daquilo que viria a ser o mar,
como quem divide um lenço azul em dois e limpa
as lágrimas apenas a metade. No meio, deixou que
crescesse todo quanto do chão quisesse escapar-se
para traçar a primeira geografia dos caminhos. E assim

descobriu a cor e encheu a sua paleta de animais
que rasgariam os ceús, cruzariam os oceanos e
resolveriam as entranhas da terra na estação
das chuvas. Por fim, semeou pequenas clareiras

nas florestas, pedras nas vertentes das cordilheiras,
cristais de neve no contorno dos lagos, estrelas cadentes
na vizinhança do desespero e rios serpenteantes
entre as searas louras, mordidas por um sol que lhe caiu
quase sem querer dos dedos, mas lhe aproveitou o calor.

E, apesar da alegria que experimentou, sentiu que o seu
mundo era tão frágil que, se desviasse os olhos, tudo acabaria
por regressar ao pó, às terras e ao verbo. Só por isso criou alguém
que também o visse e lhe dissesse todos os dias como era belo.

Maria do Rosário Pedreira

2 comentários:

  1. :) Quão especial é este livro para mim. Tanto assim, que só o partilho com quem tem a alma do Universo espelhada no olhar...

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  2. E eu agradeço-te do fundo do meu coração pela honra de teres dado a conhecer :)
    Obrigado Helder!

    Anita.

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