Por exemplo, o motorista de um dos transfers que tivemos de efectuar já em Cabo Verde, chamava-se Lúlú, o seu nome era Luz – havia nascido no dia da Nossa Senhora de Luz. A pessoa fantástica que nos ajudava nas limpezas da casa AMI mas que era mais uma amiga que uma funcionária (irei falar nela mais pormenorizadamente noutro post), chamava-se Agostinha – pois havia nascido em Agosto -, mas o seu nome, descobri quase um mês depois de a conhecer, era Josefina.
Em que medida este pormenor cultural afectava o nosso trabalho? Em situações de rastreios, consultas e afins, em que, por questões logísticas, necessitávamos de saber o nome das pessoas, muitas, principalmente as crianças, ainda que na escola, não o sabiam… e ficava tudo atrapalhado!
No entanto, neste post, gostava de vos falar de um menino sem nome ou nôminho…
Na minha imaginação ele chamar-se-ia Diogo (o belo) ou Francisco (o de condição livre)… Na realidade não faço a menor ideia nem consegui saber!
Conheci esta criança-homem, este ser sem substantivo próprio, numa das Unidades Locais de Saúde. Ele simplesmente navegava por ali, calmo e sereno, como um imperador, do alto da sua sapiência e omnipresença. Quando nos cruzamos, começou a observar cada movimento meu… primeiro ao longe, depois bem próximo de mim.
Um olhar intrigante, misterioso… como se fossemos de mundos diferentes! (Seríamos?) Terráqueo e marciano, primeiro encontro!
Tentei dialogar com ele mas a sua linguagem era-me incompreensível – um emaranhado de monossílabos.
Pareceu gostar da minha máquina fotográfica e quando lhe pedi, não só me autorizou a fotografá-lo, como pousou para mim de todos os ângulos e com todas as máscaras que o compõem.
Entretanto, o Ricardo (o meu Enf.º Orientador), contou-me um pouco da história deste menino-sem-nome-ou-nôminho. Na sua ficha clínica constava “problemas mentais não identificáveis”. Vivia com a avô, que, com o melhor que sabia/ podia, o mantinha encerrado numa pequena barraca de madeira, de um metro quadrado, sem janelas ou cor. Uma vez por dia era “solto” para que fosse dar uma volta.
Dia 16 de Novembro é o Dia Internacional para a Tolerância. Como qualquer dia Mundial, Internacional, Nacional, na minha opinião, existe em prol de minoria ou “algos” a melhorar. E aqui está – a necessidade de relembrar este sentimento e postura… Este menino, naquele contexto sócio-cultural, é diferente na sua unicidade enquanto ser humano e na sua doença. E se a Tolerância face à diferença é um dos “algos” que as sociedades, um pouco por todo o mundo, têm de cuidar; a falta de informação cava ainda mais fundo o abismo dessa mesma diferença.
Seja como for, ele mexeu comigo… O seu gosto, a sua curiosidade, o brilho no olhar, o seu vigor sereno. O seu aqui-e-agora-para-ti-comigo…
Em cada momento presente há um infinito de possibilidades em potencial, prontas a se revelar, caso nos dediquemos a isso…
Seres como a minha mãe, a Natasha e a Nocas afluíram a minha mente! Sempre que chego a casa, tenha-me ausentado 30 minutos ou 4 semanas, a maneira como me felicitam ao abrir da porta tem essa espontaneidade e felicidade – cada vez é uma primeira vez!
Com ele tomei consciência de uma grande lição – uma espécie de mandamento! Posso estar cansada, posso estar aflitinha para chegar à casa-de-banho, posso estar carregada de sacos das compras… mas não passei jamais novamente do hall de entrada sem agradecer com uma festa, um abraço, um olá, àquelas “tolitas” que me transformam numa grande sortuda acarinhando-me sempre com a alegria genuína de reencontrar quem gostam!